domingo, 21 de setembro de 2014

Crônica sobre as ondas


Eu era uma menina metida a ter mais coragem que as outras quando cheguei da infância.
Isso incluía esportes. Isso incluía o mar.
Mas como a maior parte das garotas crescidas em Minas Gerais, eu não tinha grandes intimidades com esse deus. 
Foi preciso uma vaca muito bem tomada para que eu aprendesse a respeitá-lo. 
E temê-lo.  
Passados vários anos passeando timidamente pelas areias, voltei a me encontrar seriamente com o mar num verão quando, de última hora, resolvi pegar minha mochila e seguir sozinha para a Praia do Rosa - SC.

Não faz tanto tempo que desembarquei naquele paraíso, disposta a ter quinze dias de autoconhecimento e contato com a natureza.
A ideia de caminhar grande parte do dia para conhecer cada cantinho, ler e escrever deitada na areia e ao por do sol praticar yoga no deck da pousada que escolhi - por sorte completamente vazia naqueles dias - me parecia ideal. E foi ideal nos primeiros dias. 
Com pouco tempo comecei a reparar que havia algo além da beleza daquele lugar. Não era só a natureza. Havia algo de especial.
Vamos lá, alguns chamariam de um bom astral. 
Percebi isso descendo as trilhas até a praia, ou me perdendo pelas ruas (eu sempre me perco). 

As pessoas ali absolutamente não se importavam com quem eu era. Qualquer interação era com intuito solidário, com sorriso, com uma disponibilidade absoluta em ajudar ou em simplesmente deixar ser. 
Dias depois comecei a sacar uma comunhão homem + natureza realmente diferente do que eu já tinha visto até então. 
Não havia outro nome praquilo senão "energia positiva".
E não era só uma viagem de ideal árcade da minha cabeça.
Aquilo tinha que ter um motivo.
Apurei o faro atrás da resposta e estava ali, bem embaixo do meu nariz:
Aquele lugar respirava surf.
Pensei: "Será?", mas minha hesitação não durou um bocejo.

Na manhã seguinte segui timidamente para a Escola de Surf do Capitão David
Não achei que fosse conseguir de fato fazer aquilo, mas quem estava ali para enfrentar o Kelly Slater? Eu queria sacar o que acontecia. E quem sabe fazer as pazes com o mar.

Prestes a iniciar minha aula teórica (pois é!) todas as minhas inseguranças - "sou velha demais?" "sou desastrada demais?" "sou mineira demais?" - caíram pelas gretas da madeira daquela varanda.
De lá para a lagoa (!!) e em seguida a água salgada. 

Carregando coletivamente os pranchões aprendi a minha primeira lição: não existe branco, preto, pobre, rico para o surf. Todos são iguais perante o mar.

Naqueles dias percebi o quanto meu corpo estava sedentário, o quanto o surf exige. Porém, lá pelo segundo ou terceiro dia entendi que ele exige, mas também agradece e presenteia.

Exausta de remar, remar, remar mar adentro, prestes a desistir daquela tarde, a minha primeira onda veio. E eu fui.
E ali eu entendi tudo. 
Quando seu corpo se equilibra e vira uma extensão daquela prancha que desliza trêmula sobre a água, algo mágico acontece. Não existe dor, não existe cansaço, não existe nem um milésimo de segundo de pensamento ruim.
Não existe mais nada. Só você e o mar.
E nessa hora o mar é todo resto e é um pouco de você também.

Ali estava a explicação da positividade que permeava aquele lugar e aquelas pessoas.
Gosto de horizontes vastos, e o surf me proporcionou isso.
Fez a minha cabeça. Satisfied my soul.

Confesso que, apesar de hoje viver no litoral, não me aventurei tantas vezes depois daquele verão. 
Mas hoje eu sei que, se o astral baixar, é só correr pro mar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Digaí: